O que é a revisão da lei de cotas em universidades federais
- 12/08/2022
Pela legislação, processo deve ser feito 10 anos após a sanção, que ocorreu em 29 de agosto de 2012. Mas, segundo associação de reitores, nada irá mudar se debate não acontecer agora. Política garante metade das vagas a alunos da rede pública, pretos, pardos, indígenas, pessoas com deficiência e população de baixa renda. Veja o que está em discussão.
A Lei de Cotas, aprovada pelo Congresso e sancionada em 2012, garante que metade das vagas de institutos e universidades federais seja reservada para ex-alunos da rede pública. O texto prevê também que, até 29 de agosto de 2022, a política de ações afirmativas passe por uma revisão.
Mas o que significa revisar a Lei? Ela corre o risco de deixar de existir? Pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência, atualmente beneficiados, podem ficar de fora em uma eventual mudança das ações afirmativas?
Segundo especialistas ouvidos pelo g1, o termo "revisão" refere-se à necessidade de analisar como a política pública funcionou para, então, discutir se deve ser ampliada, mantida como está ou “enxugada”. Ou seja, não há um prazo de validade: mesmo que o processo não aconteça em agosto, a Lei não caducará.
Já o presidente da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, Kim Kataguiri (União-SP), avalia que, se o debate não ocorrer até o fim do mês, as universidades federais estarão, sim, livres para abandonar as cotas, se assim desejarem (leia mais abaixo). Algo que, segundo associação de reitores das federais, não deve acontecer:
Para Anna Venturini, do Núcleo de Pesquisa e Formação em Raça, Gênero e Justiça Racial (Afro) do Cebrap – centro globalizado estuda a realidade brasileira desde 1969 – , há três possibilidades:
- o assunto não ser colocado em pauta agora, e, portanto, a lei continuar valendo com o texto atual;
- o prazo de revisão ser prorrogado (logo, ficar a cargo do próximo governo e Congresso, a serem eleitos em outubro);
- a discussão acontecer ainda neste mês e, a partir dela, haver alguma mudança na lei (seja para restringir seu alcance a menos grupos ou para incluir novos mecanismos, como o de controle de fraudes).
Como funciona a Lei de Cotas
A Lei de Cotas foi desenhada com base na experiência de universidades que já tinham algum tipo de ação afirmativa. A Universidade de Brasília (UnB), por exemplo, foi pioneira ao implementar em 2004 a reserva de vagas para estudantes negros.
Até 2012, das 96 universidades estaduais e federais então existentes, 70 tinham algum programa de inclusão no processo seletivo. Coube à lei, além de ampliar o alcance das cotas, criar um padrão de funcionamento para elas.
O texto estabeleceu o seguinte: 50% das vagas dos institutos e universidades federais devem ser reservadas para estudantes que cursaram o ensino médio integralmente em escolas públicas.
Este grupo inclui fatias de determinados perfis:
- metade deve ter renda familiar per capita de até 1,5 salário mínimo;
- pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência devem ser contemplados com um número de vagas equivalente às parcelas que ocupam na população do Estado.
Um exemplo hipotético: A Universidade Estudos oferta 100 vagas no Sistema de Seleção Unificada (Sisu). No estado em que ela está estabelecida, 5% dos habitantes são pretos, 29% são pardos, e 2%, indígenas. As pessoas com deficiência representam 8% nos moradores. Portanto:
A implementação deste tipo de política foi gradual: institutos e universidades federais tiveram de 2012 a 2016 para chegar aos 50% de vagas reservadas para ações afirmativas.
Adriano Senkevics, doutor em educação pela Universidade de São Paulo (USP), estudou quais foram as mudanças nos perfis dos alunos das universidades nesse período.
Cruzando microdados restritos do Censo de Educação Superior e do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), ele descobriu que o grupo mais beneficiado foi o de pretos, pardos e indígenas (veja gráfico abaixo), que saltou 10,7 pontos percentuais entre 2014 e 2016: de 27,7% para 38,4%.
A participação das outras categorias também aumentou, mas em menor proporção: 8,2 pontos percentuais entre ex-alunos da rede pública (no geral) e 6,6 pontos percentuais entre ex-alunos da rede pública de baixa renda.
Em 2012, quando a Lei de Cotas foi aprovada, havia a menção específica de que caberia ao Poder Executivo promover a revisão. Desde 2016, no entanto, uma mudança na redação deixou de mencionar quem seria o agente do debate.
Corbo ressalta que só o Legislativo – por meio da Câmara dos Deputados e do Senado – poderia limitar a política de cotas a critérios de renda e excluir, por exemplo, pretos, pardos e indígenas das ações afirmativas. “Se algo assim acontecer, pode ser objeto de discussão no Supremo Tribunal Federal”, afirma o professor.
Há outra possibilidade de a questão ir parar no STF: algum parlamentar ou reitor de universidade federal alegar que o termo “revisão” prevê, sim, um prazo de vigência para a lei.
É o posicionamento, por exemplo, do deputado federal Kim Kataguiri (União-SP), presidente da Comissão de Educação.
Segundo levantamento da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN), até janeiro de 2022, havia 67 Projetos de Lei e Projetos de Decreto Legislativo registrados no Congresso.
Eles tanto sugerem mudanças – como a ampliação das cotas para a pós-graduação – quanto pedem o adiamento da revisão.
O principal PL, de autoria original do deputado federal Bira do Pindaré (PSB), por exemplo, empurra o debate das cotas para 2032.
Fonte: G1