Polícia Civil investiga tortura contra dois homens suspeitos de furtar picanha em supermercado de Canoas
- 05/12/2022
Imagens mostram homens levados para depósito e espancados. Entre os envolvidos estão cinco seguranças, o gerente e o subgerente.
A Delegacia de Homicídios da Polícia Civil de Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre, investiga um caso de tortura dentro de um supermercado do município. Dois homens, um deles negro, foram levados para o depósito do estabelecimento e espancados por 45 minutos.
De acordo com o delegado Robertho Peternelli, a dupla teria furtado dois pacotes de picanha, que custam cerca de R$ 100 cada. Entre os suspeitos das agressões estão cinco seguranças, o gerente e o subgerente do supermercado.
As imagens das agressões foram exibidas no Fantástico, na RBS TV, na noite deste domingo (4). Após a veiculação da reportagem, a rede Unisuper publicou uma nova nota na madrugada desta segunda-feira (5) alegando que demitiu os funcionários e encerrou o contrato com a empresa de segurança (Confira abaixo).
O caso aconteceu no dia 12 de outubro. A polícia só ficou sabendo porque um dos homens que sofreu as agressões deu entrada no Hospital de Pronto Socorro (HPS) de Porto Alegre com ferimentos graves. Ele tinha diversas fraturas no rosto e na cabeça e precisou ser colocado em coma induzido.
Um parente do homem contou para os agentes que o homem teria sido espancado em um supermercado em Canoas.
De acordo com a polícia, 31 câmeras de segurança gravaram o que aconteceu dentro do supermercado e também no depósito onde os homens foram agredidas. Os policiais foram até o estabelecimento coletar as imagens, mas perceberam que os arquivos haviam sido deletados logo que os agentes entraram no local. O delegado Peternelli apreendeu o equipamento de gravação, que foi encaminhado para a perícia.
O perito criminal Marcio Faccin, do Instituto-Geral de Perícia (IGP) do RS, conseguiu recuperar os arquivos.
— Analisei alguns trechos até conseguir um instante em que tinha um evento que pareceu suspeito. Uma evidência de algo que a polícia estava buscando. Eles estavam tentando ocultar as provas. Eles acharam que tinham apagado, mas esses arquivo não são apagados desta forma — explica Faccin.
A polícia identificou, por enquanto, dois dos cinco seguranças suspeitos das agressões, mas não divulgou os nomes deles. Em nota, a rede Unisuper informou que "repudia qualquer ato de violência ou de violação dos direitos humanos e que está à disposição para fornecer informações solicitadas na investigação" (leia íntegra abaixo). A empresa Glock, que presta serviço ao supermercado, disse em nota que só vai se manifestar em juízo. Ezequiel Vetoretti, advogado do gerente Adriano Dias e do subgerente Jairo da Veiga, disse que só vai se manifestar em juízo (leia íntegra abaixo).
Os dois homens que foram agredidos não quiseram falar. Eles estão muito assustados com o que aconteceu.
— Os cinco seguranças e o gerente devem ser indiciados por tortura e ocultação das provas. O subgerente por tortura e omissão. A polícia investiga indícios de outro crime extorsão mediante sequestro porque eles só foram liberadas depois do pagamento de R$ 644 exigido pelos agressores — disse o delegado.
O que aconteceu no depósito
O que as imagens recuperadas mostram são cenas de horror no depósito do supermercado. Um homem de casaco azul é conduzido por um segurança. Retira dois pacotes que estavam escondidos na roupa e os entrega ao gerente do mercado. Nesse momento, o segurança o agride com um soco e uma rasteira.
— O primeiro rapaz ele já tem dominado, o rapaz com as carnes. Em um primeiro momento, sem nenhuma reação, ele já dá um soco na região do rosto, o que o faz cair. Então, ele já acaba sentando naquele primeiro momento e, a partir daquele primeiro golpe, ele não esboça nenhuma reação — descreve o delegado.
Um dos seguranças se aproxima do rosto do homem, faz ameaças e desfere outros golpes. O gerente e o subgerente apenas assistem. Em determinado momento, o gerente sai do alcance da câmera do circuito interno. Três minutos depois, ele aparece com um martelo na mão e, segundo a polícia, faz novas ameaças ao homem que está no chão.
O primeiro segurança volta à cena e retoma o interrogatório clandestino. Mais 12 minutos de tortura e surge um segundo segurança, de camisa amarela. Os dois agridem o homem, que é chutado por eles. O grupo se afasta e volta várias vezes, mas o homem é obrigado a ficar no depósito.
As imagens recuperadas pela polícia mostram também o momento em que seguranças abordam o homem que pegou as duas embalagens de picanha e outros produtos e os escondeu na roupa.
Segundo as investigações, ele contou aos seguranças que um parceiro dele estava no estacionamento do supermercado. Uma das câmeras mostra um segurança de camisa amarela saindo do estacionamento e voltando com o segundo suspeito. Foi este outro homem que acabou dando entrada no hospital dois dias depois.
— Foi o que mais apanhou, muito na região do rosto. Tem um momento em que eles até jogam uma água no rosto dele, porque ele sangrava em abundância — conta o delegado.
O segurança de amarelo obriga o segundo homem a se sentar ao lado do primeiro, e a tortura recomeça. Quem comanda a violência, nesse momento, é um dos seguranças que está de casaco e usa óculos.
Em um certo momento da gravação, as luzes do depósito do supermercado são apagadas, mas a câmera registra que as agressões continuam, agora também com pedaços de madeira. As luzes são acesas novamente e os seguranças se revezam no ataque aos dois homens. As agressões são vistas por outros homens que estão no local. O gerente e o segurança que está de casaco chegam a rir da situação. Numa das cenas, o homem foi agredido com um pallet de madeira.
Foram 45 minutos de agressões violentas. De vez em quando, os suspeitos fotografavam os dois homens. Para a polícia, esse comportamento é uma espécie de tortura psicológica.
— Temos, neste primeiro momento, a ideia da tortura, a tortura como forma de obtenção de provas. Eles buscaram os comparsas, e eventualmente onde estavam os objetos de furto, e também utilizaram essa tortura como forma de punição, naquele momento aplicando a sua pena, a sua justiça privada — diz o delegado.
No fim das agressões, os cinco seguranças voltaram ao depósito e posaram para uma foto comemorativa, que foi tirada pelo gerente do supermercado.
Contrapontos
O que diz a rede Unisuper
"Guiados pela transparência que sempre pautou as nossas ações, informamos que chegou ao nosso conhecimento a existência de um inquérito policial referente a uma abordagem relacionada a uma ocorrência de furto. Este inquérito foi instaurado para apurar a conduta dos profissionais da empresa terceirizada Glock Segurança.
Primeiramente, queremos reafirmar que repudiamos veementemente qualquer ato de violência ou de violação dos Direitos Humanos, os quais reconhecem e protegem a dignidade de todas as pessoas e são pilares essenciais para a construção de uma sociedade mais justa, e reafirmamos o nosso compromisso com o respeito à vida, à coletividade e aos valores éticos e morais que sempre marcaram a trajetória das famílias supermercadistas que construíram a nossa empresa.
Estamos integralmente à disposição das autoridades para fornecer todas as informações solicitadas no intuito de contribuir com as investigações. Somos os maiores interessados em que todos os fatos sejam esclarecidos, confiamos no trabalho da polícia, e seguiremos colaborando com a investigação e aguardando a conclusão do inquérito pelas autoridades."
Após a veiculação da reportagem, na madrugada desta segunda-feira (5), a rede UniSuper publicou uma segunda nota no Instagram:
"Viemos a público nos desculpar pelos fatos ocorridos na loja da Avenida Inconfidência, em Canoas.
Estamos profundamente abalados. As agressões são inaceitáveis e não condizem com a sólida história de 22 anos da Rede UniSuper, que sempre foi marcada pelo respeito ao ser humano, aos seus direitos fundamentais e a valores como transparência, trabalho em equipe e solidariedade.
Diante de uma conduta lamentável e cruel com a qual jamais concordaremos, informamos que encerramos o contrato com a empresa Glock Segurança, desligamos os funcionários envolvidos e iniciamos o trabalho de revisão de todos os nossos protocolos de segurança e de conduta. Não mediremos esforços para construir sólidos procedimentos que garantam que situações como essa jamais voltem a acontecer.
Reafirmamos o nosso compromisso com o respeito à vida e à dignidade da pessoa humana, e nos colocamos, mais uma vez, integralmente à disposição das autoridades."
O que dizem os advogados Ezequiel Vetoretti, Rodrigo Grecellé Vares e Eduardo Vetoretti, responsáveis pela defesa de Jairo Estevan da Veiga e Adriano Luginski Dias
"Na condição de advogados de Jairo Estevan da Veiga e Adriano Luginski Dias, manifestamos o nosso respeito a todas as pessoas e instituições que atuam no presente caso. Por questões éticas e até mesmo em respeito à autoridade policial, nossa manifestação se dará exclusivamente nos autos."
O que diz a empresa de segurança Glock
Em nota, informou que irá se manifestar somente em juízo.
Fonte: GZH